Líder rural é morto em área de terra disputada por ex-senador de Rondônia



O trabalhador rural Wesley Flávio da Silva, 37 anos de idade, foi assassinado por volta das 9h da última sexta-feira (17) no projeto de assentamento Nova Esperança, localizado na divisa dos municípios de Campo Novo com Governador Jorge Teixeira, distante 322 quilômetros de Porto Velho (RO). Wesley era presidente da Associação de Produtores Rurais Nova Esperança há menos de um ano.


De acordo com informações prestadas à polícia, Wesley tinha chegado no começo da manhã no barracão da Associação, acompanhado da esposa e um dos filhos. O atirador desceu de uma motocicleta, parou na frente da Associação, ficou mexendo no próprio celular e apertou a mão da vítima. Quando Wesley estava entrando no escritório foi atingido por disparos de arma de fogo pelas costas.


Foram localizados oito cartuchos de pistola deflagrados no local da morte. Wesley foi atingido na cabeça. Depois foi baleado no rosto e no peito. O líder rural morreu antes de receber socorro médico.


Para a polícia, testemunhas disseram que o atirador era branco, sem barba, vestia camisa vermelha, usava boné, e dirigia uma motocicleta (modelo NXR 160 Bros, de cor vermelha com branco). O pistoleiro ameaçou a esposa de Wesley e na fuga foi visto pela cidade, mas não capturado. O crime deverá ser investigado pela delegacia de polícia civil de Ariquemes.


Wesley vinha sofrendo ameaças de fazendeiros da região, o que fez ele mudar de cidade


Wesley era casado, pai de dois filhos de 10 e 13 anos, e foi secretário de obras na cidade de Governador Jorge Teixeira. Segundo amigos, Wesley tinha uma propriedade rural onde plantava e colhia para subsistência e comércio local. O corpo dele foi sepultado no último sábado (18) em Governador Jorge Teixeira.


Após ameaças de fazendeiros locais, Wesley tinha se mudado com a família para a cidade mais próxima, Campo Novo. Mas sempre retornava para Governador Jorge Teixeira, onde tinha plantações e era a base do acampamento dos trabalhadores rurais, onde foi assassinado.


O crime aconteceu na mesma semana que o Brasil tomou conhecimento do assassinato bárbaro cometido contra o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips, defensores da Amazônia e dos povos indígenas. Na manhã que o crime de Wesley foi registrado, a Comissão Pastoral da Terra de Rondônia (CPT), apresentou o relatório de conflitos no campo de 2021 no auditório da Arquidiocese de Porto Velho. Maria Petronila, coordenadora da CPT, falou sobre o caso durante o evento.


Petronila disse que o projeto de assentamento Nova Floresta onde Weslen foi morto “está em conflito com o grande latifundiário político Amorim, que todo mundo conhece. Essa área tá registrada nesse caderno com várias reintegrações de posse, despejos que houveram ano passado e eles tornaram a sofrer ameaças”.


Wesley era quem reivindicava benefícios para o acampamento dos trabalhadores. Cobrava dos governos saúde, segurança, educação, transporte para produção agrícola e condições de vida melhores para todos. Em um vídeo compartilhado por amigos na internet ele pede melhorias na educação. “Precisamos da educação para crianças”, diz nos vídeos. Segundo assentados, 49 crianças estão sem estudar, e a prefeitura não resolveu a situação mesmo após cobranças do Ministério Público.


Nos últimos três anos, 15 pessoas foram mortas por conflitos no campo em Rondônia, a federação brasileira com maior criminalidade na zona rural. Em 2021 houve registro de 11 mortes, oito foram cometidos por policiais militares. Em 2022 já são quatro mortes.


LITÍGIO COM EX-SENADOR DA REPÚBLICA



A extração ilegal de madeira, grilagem de terras e garimpo de cassiterita estão entre os principais motivos de mortes na zona rural de Rondônia entre as cidades de Campo Novo e Governador Jorge Teixeira.

No mesmo projeto de assentamento onde aconteceu o crime de Wesley Silva, uma pessoa foi morta e o corpo deixado perto do barracão da Associação. Outro morador sobreviveu após ser alvejado com dois tiros por um desconhecido. Há duas semanas, moradores foram ameaçados. É uma região de espancamentos, tiroteios e onde barracões de trabalhadores rurais são incendiados.


O ex-senador Ernandes Amorim é acusado pelos camponeses de grilar terras da União. São mais de quatro mil hectares em disputa judicial onde moram cerca de 300 famílias.


O político é dono da fazenda Marechal Rondon que possui 13 mil hectares com 16 lotes que foram reconhecidos pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).


O ex-senador nega relação com os conflitos, mas defende garimpeiros. “Não é verdade, inclusive houve denúncias para a Polícia Federal, ela abriu inquérito, comprovou que nada tenho a ver com o garimpo. Pelo contrário, eu sou defensor da classe garimpeira e, como senador, criei a lei que aprovou a profissão de garimpeiro. Desde quando houve essa tal invasão, faz mais de dois anos, nada acompanhei, nem sequer procurei qualquer pessoa que não seja o poder judiciário para tomar as providências devidas em todas as instâncias”.


Amorim diz que nunca cometeu crimes ambientais, e que é proprietário da fazenda há 30 anos até ser invadida. Falou que suas terras foram alvo de extração ilegal e que não ocupa áreas do Incra.


“Essa área foi invadida por pessoas que não tem nada com agricultura, onde eu tenho uma posse e nós procuramos, através de ação popular, a justiça federal e ela deu a liminar para retirar esse pessoal, assim como a própria justiça do Estado deu liminar e mandou retirar, entregar a posse aos proprietários e eles voltaram a ocupar à força e com armamento pesado e lá se instalou de novo. Mesmo assim, temos novas liminares de todos os proprietários para que sejam todos retirados da área, assim que passe o período da pandemia. E lá não existe sem-terra. Existem pessoas que têm fazendas, armazém, possui terras em outros locais e pessoas criminosas”.


Já o procurador da república, Raphael Belivaqua, discorda do político. “Foi constatado que existem áreas de assentamento de reforma agrária, ou seja, pessoas já assentadas, não é nem pleito, não é nem reivindicação. É pessoas assentadas da reforma agrária que estão sendo esbulhadas por pessoas poderosas que se dizem proprietárias dessas terras. A gente tenta atuar da melhor forma possível para que as pessoas que são beneficiárias da política pública de reforma agrária sejam efetivamente contempladas e para evitar que outras pessoas façam a tomada dessas áreas, por conta de razões outras que são enriquecimento ou simplesmente lucrar com os imóveis que são públicos”.



“Quero registrar nosso repúdio a este desgoverno, a estas autarquias de faz de conta, o Incra, que nada tem feito para garantir minimamente a efetivação da política de distribuição de terras para quem nela precisa viver. Quero dar o ultimato ao Ministério Público Estadual. Não dá pra aceitar de bico calado quase cem mortes, em dez anos, sem investigação, sem uma resposta à sociedade, aos familiares”, disse Maria Petronila, coordenadora da Comissão Pastoral da Terra em Rondônia. (Com informações da TV Rondônia)